Tenho 1,72m de altura. E isso chegou a afetar minha postura. Mas talvez você já tenha me visto em outros tamanhos e formatos. Do tanto que já me dobrei, me espremi e me quebrei pra encaixar onde não tinha espaço. Às vezes me arranjava num cantinho, passava anos batendo à porta de algum coração. De leve. Não queria incomodar. E é claro que não conseguia entrar. Ninguém quer gente que se humilha. Nem como par, nem como família. Sempre fui daquelas que dão passagem pra todo mundo nas calçadas, mesmo que tenha que pular uns canteiros, desviar de umas obras abandonadas. Pode cortar fila. A sua pressa é mais importante que a minha.
Tem dia que dá vontade de gritar, confesso, mas vai que atrapalha alguém no processo. Até porque, se eu jogar tudo pro alto, vou ter que catar. Isso vale para copos e corpos. E não adianta chorar. Aí tem que juntar tudo e colar peça por peça. Lembrar que ficam encaixes tortos, marcas e umas frestas. Ali passa luz, vento, som e dor. E, se você reparar bem, daria pra passar um pouco de amor. Mas tem coisa que o amor não se presta.